Nobel da Paz e Segurança Alimentar:
O Brasil e o Mundo
A notícia que o Nobel da Paz de 2020 foi para Programa Mundial de Alimentos da ONU coloca a questão da insegurança alimentar na ordem do dia. Neste aspecto o Brasil ocupa lugar de destaque, seja do ponto de vista de oferta de comida, como também pelas dificuldades que os brasileiros têm de lidar com o tema.
Nobel da Fome
Ainda não foi desta vez que um brasileiro ganhou o Nobel, mas chegamos mais perto. O Brasil é a terra de Josué de Castro, autor de Geografia da Fome de 1943 e que foi presidente do Conselho executivo da FAO, e de José Graziano, o seu último diretor.As evidências sobre fome/insegurança alimentar desafiam aqueles que acreditam que fome é coisa do passado no Brasil por sermos a “Fazenda do Mundo” como primeiro produtor global de alimentos. A insegurança alimentar, que tinha caído de 34,9% dos domicílios em 2004 para 22,6% em 2013, volta a subir chegando a 36,7% em 2018 segundo a POF/IBGE. Levantamento da FGV Social sobre os dados do Gallup World Poll mostra que ela se manteve alta em 2019.
Caracterizando a piora das percepções de falta de dinheiro para alimentação, leia-se insegurança, com dados de mais de 150 países, tínhamos 17% da população no Brasil concordando que não tinham recursos financeiros para se alimentar em 2014, o que colocava o país na posição nº 36 de 150 países, mas passamos a 30% em 2019 - correspondendo a posição nº 82 de 145 países. A fim de captar a desigualdade tupiniquim da falta de dinheiro para alimentação em 2019, estavam nessa situação no Brasil 53% nos 20% mais pobres e 10% nos 20% mais ricos. Já no mundo os números eram 48% nos 20% mais pobres e 21% nos 20% mais ricos. Ou seja, nossos mais pobres têm hoje mais insegurança alimentar que o mundo, enquanto nossos mais ricos têm menos. O FGV Social disponibiliza dados de insegurança alimentar abertos por sexo, idade, renda, etc.
Brasil e o Mundo
Olhando a fotografia mais recente a de 2019 da insegurança alimentar brasileira e mundial. A insegurança alimentar é um pouco menor no Brasil do que no mundi. Ela afeta mais mulheres que homens tanto no Brasil como no mundo mas especialmente aqui. Assim como pessoas de meia idade que tendem a ter crianças em casa gerando consequências para o futuro do país, uma vez que subnutrição infantil deixa marcas permanentes físicas e mentais para a vida dos indivíduos. Segmentos mais pobres e menos educados são conforme esperado mais sujeitos à insegurança alimentar mas muito mais aqui do que alhures. O Brasil país conhecido pela alta desigualdade, e reconhecido pela produção em alta escala de alimentos, não consegue isolar os seus segmentos mais vulneráveis do fantasma da fome.
Mundo x Brasil - 2019
Fonte: FGV Social/CPS a partir dos microdados do Gallup
Fonte: FGV Social/CPS a partir dos microdados do Gallup
Fonte: FGV Social/CPS a partir dos microdados do Gallup
Fonte: FGV Social/CPS a partir dos microdados do Gallup
Brasil e a Volta ao Mapa da Fome 2014 a 2019
O filme da insegurança alimentar brasileira feito entre 2014 e 2019, período em que o país volta ao Mapa da Fome da ONU é dramático. A proporção de pessoas com falta de dinheiro para alimentação sobe de 17% para 30%. O salto de homens e mulheres é também de 13 pontos percentuais. Mas é proporcionalmente maior entre os mais pobres, os menos educados, e os mais jovens o que coincide com os grupos que já era. Vulneráveis e que perderam mais renda durante a grande recessão brasileira seguida de lenta retomada de 2014 a 2019. Desigualdade de renda seja vertical (entre pessoas) ou horizontal (entre grupos sociais) andam de mãos dadas com a insegurança alimentar.
Brasil - 2014 x 2019
Fonte: FGV Social/CPS a partir dos microdados do Gallup
Fonte: FGV Social/CPS a partir dos microdados do Gallup
Fonte: FGV Social/CPS a partir dos microdados do Gallup
Fonte: FGV Social/CPS a partir dos microdados do Gallup
Apresentamos mais a seguir mapas de sobrevoo e gráficos de evolução temporais interativos que permitem comparar a insegurança brasileira com a de mais uma centena de países.
MAPA - https://cps.fgv.br/falta-dinheiro-para-alimentacao-populacao-total-2005-ate-2018
GRÁFICO INTERATIVO - https://www.cps.fgv.br/cps/bd/graficos/Alimentacao/Porcentagem-sem-dinheiro-para-alimentacao-pop-total-2008-2018.htm
Segurança Alimentar: Mudanças Recentes e Visão Global
O Brasil, hoje conhecido como a “Fazenda do Mundo” como produtor de alimentos, é também a terra de Josué de Castro, autor de Geografia da Fome de 1943, e de Betinho, criador da ONG Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria, mais ativa do que nunca em plena pandemia. O brasileiro confere alta importância ao tema perdendo apenas para saúde e educação entre 16 temas ligados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. A fome gera mais preocupações aqui do que em outros países. Há motivos para isso. Programas de alimentação brasileiros estão associados a prevalência de doenças crônicas, baixo desempenho escolar, baixa produtividade trabalhista, entre outros efeitos deletérios testados.
As evidências sobre a evolução do binômio segurança/insegurança alimentar apresentadas na POF/IBGE 2017-18 desafiam aqueles que acreditam que fome é coisa do passado no Brasil. A insegurança alimentar que tinha caído de 34,9% dos domicílios em 2004 para 22,6% em 2013, volta a subir chegando a 36,7% em 2018.
A fim de entender as causas diretas das mudanças de segurança alimentar vale recorrer a partir de outras pesquisas nossas sobre extrema pobreza em termos objetivos. Usamos uma linha de U$S 1,25 dia PPC (ajustado por Paridade do Poder de Compra) dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM) que grosso modo corresponde o critério de acesso ao benefício monetário básico do Bolsa Família, cerca de 90 reais per capita mês. A queda da insegurança alimentar de 2004 até 2013 foi acompanhada de redução de extrema pobreza de 44,7%. No período 2014 a 2019 observamos aumento de extrema pobreza baseada em renda de 67%, com pioras em todos os anos, inclusive no último. Se a insegurança alimentar primeiro caiu e depois cresceu, é porque a extrema pobreza apresentou movimentos na mesma direção. Nos últimos anos os paupérrimos estiveram em baixa. Enquanto o período inicial foi marcado pela expansão de programas de focalizados de transferência condicionada de renda, no último período fizemos um ajuste fiscal nos pobres, desidratando o Bolsa Família. Medidas subjetivas de fome caminharam de mãos dadas com a extrema pobreza cujos movimentos foram ditados pelas políticas sociais. Em fase de parcos recursos fiscais, é preciso colocar na ordem do dia os programas sociais voltados aos mais pobres dos pobres.
Antes que ataquem o mensageiro, observamos o mesmo drama em evidências internacionais sobre o Brasil, já incluindo 2019. Esta ampliação de prazo e de escopo geográfico do tema, e seu detalhamento é a principal contribuição desta nota. Para comparar o Brasil com os outros países do mundo, recorre-se aos microdados do Gallup World Poll ao longo de sete biênios, desde 2005/2006 até 2017/2018 e depois 2019 para complementar a série. Transformando uma longa estória, a insegurança alimentar cai de 20% até 18% no biênio 2011-12 e depois sobe para 30% em 2017-18, o que é consistente em termos de período e prazos com a última POF-IBGE. Este mesmo patamar de 30% é mantido em 2019. Ou seja, os dados sugerem que os movimentos identificados nas pesquisas ibgeanas são robustos e que o aumento observado até 2017-18, se manteve em 2019.
INSEGURANÇA ALIMENTAR: DETALHAMENTO GLOBAL
O mapa 1 contrasta as situações brasileira e mundial no primeiro biênio de análise, destacando com suas bandeiras e nomes os países com programas de alimentação semelhantes ao do Brasil. Em 2005/2006, 20% dos brasileiros pesquisados afirmavam ter faltado dinheiro para comprar alimentos para si mesmos ou para suas famílias. A escala de cores mostra que esse percentual é relativamente baixo em comparação aos que respondem “sim” à mesma pergunta na maioria dos demais países. Mesmo outros grandes países em desenvolvimento com políticas similares como México e Índia, apresentam percentuais mais altos de pessoas que sentem falta de dinheiro para a alimentação. A situação se mantém até 2013/2014, quando o Brasil registra a mesma taxa de 20% (mapa 2) e a pesquisa passa a cobrir mais países africanos e a China.
Mapa 1 - (%) Falta dinheiro para alimentação - População Total (2005/2006)
"Em algum momento, nos últimos 12 meses, faltou dinheiro para comprar alimentos para você ou para a sua família ?"
https://cps.fgv.br/falta-dinheiro-para-alimentacao-populacao-total-2005-ate-2018
Fonte: FGV Social/CPS a partir dos microdados do Gallup World Poll
"Em algum momento, nos últimos 12 meses, faltou dinheiro para comprar alimentos para você ou para a sua família ?"
https://cps.fgv.br/falta-dinheiro-para-alimentacao-populacao-total-2005-ate-2018
Fonte: FGV Social/CPS a partir dos microdados do Gallup World Poll
A dificuldade dos brasileiros para comprar alimentos nos 12 meses que antecedem a pesquisa aumenta fortemente nos anos de crise econômica, chegando a 30% no biênio 2017/2018. O mapa 3 mostra que o Brasil muda de categoria na escala de cores junto com a Rússia, deixando a faixa onde permanecem os Estados Unidos e a Espanha e ingressando na faixa em que se mantém o Uruguai.
Mapa 3 - (%) Falta dinheiro para alimentação - População Total (2017/2018)
"Em algum momento, nos últimos 12 meses, faltou dinheiro para comprar alimentos para você ou para a sua família ?"
https://cps.fgv.br/falta-dinheiro-para-alimentacao-populacao-total-2005-ate-2018
Fonte: FGV Social/CPS a partir dos microdados do Gallup World Poll
De modo geral, os países mais ricos, com maior produto interno bruto (PIB) per capita, tendem a ter menores percentuais de suas populações sentindo falta de dinheiro para a alimentação. O gráfico 1 confirma essa tendência intuitiva, que se mantém em 2013/2014 e 2017/2018. O mais interessante, porém, é observar que, entre os dez países da base de dados que possuem políticas similares (os pontos contornados de preto no gráfico), oito apresentam insegurança alimentar menor que a esperada em função de seus respectivos níveis de desenvolvimento econômico. Turquia e México são as duas exceções. Já o Brasil pertence ao grupo majoritário de países com programas similares, em que o percentual de pessoas que sente falta de dinheiro para a compra de alimentos é menor que o esperado quando se observa seu PIB per capita. Entretanto, infelizmente, a alta de 20% para 30% dos brasileiros com falta de dinheiro para comprar comida nos últimos anos fez o Brasil se aproximar da norma internacional de relação entre produto per capita e insegurança alimentar.
Na escala de cores do mapa 4, os países pintados em tons de verde são aqueles cujo percentual de pessoas com insegurança alimentar é menor (ou melhor) que o esperado em função de suas características. Já os que registram insegurança alimentar maior (ou pior) que a esperada aparecem em tons de laranja a vermelho. Assim como México e Turquia, quase todos os países da América Latina, África e Oriente Médio – as regiões com os maiores índices de desigualdade de renda no mundo – têm mais pessoas com falta de dinheiro para comprar comida do que se esperaria com base no valor médio de produção por pessoa.
Gráfico 1
LN PIB per capita US$ PPP X Falta de dinheiro para alimentação (%)
Fonte: FGV Social a partir dos microdados do Gallup World Poll
Mapa 4 - Regressão logística - Falta dinheiro para alimentação (Razão de chances)
"Em algum momento, nos últimos 12 meses, faltou dinheiro para comprar alimentos para você ou para a sua família ?"
*Não significativos: Índia, Macedônia, Paraguai, Polônia, Catar, Arábia Saudita, Sérvia e Montenegro
https://cps.fgv.br/regressao-logistica-falta-dinheiro-para-alimentacao-razao-de-chances-quantil
Fonte: FGV Social/CPS a partir dos Microdados do Gallup World Poll
O Brasil, embora se destaque como um dos países de maior desigualdade de renda mesmo dentro do conjunto dessas regiões muito desiguais, aparece no mapa com uma insegurança alimentar menor que a sugerida por seu produto per capita. Nesse ponto, o Brasil tem a companhia de sete outros países com (Reino Unido, França, Portugal, Itália, Bélgica, Índia e Japão), além de outros concentrados na América do Norte, Europa, Oceania e países da Ásia com forte crescimento econômico, como Índia e China.
Veja o material em https://www.cps.fgv.br/cps/bd/docs/Seguranca-Alimentar_Brasil-e-o-Mundo-Marcelo-Neri_FGV_Social.pdf