Alta da desigualdade chega a 17 trimestres consecutivos, aponta FGV Social
Desde o fim de 2014 até o 2º trimestre de 2019, a renda dos 50% mais pobres da população caiu 17% e a dos 1% mais ricos cresceu 10%
O FGV Social lançou no dia 15 de agosto a pesquisa "A Escalada da Desigualdade", a partir dos microdados da PNAD Contínua. Como a série histórica anterior foi ajustada pelo IBGE, o estudo investigou mudanças para frente e para trás. A pesquisa mostrou que a desigualdade de renda domiciliar per capita do trabalho está aumentando há 17 trimestres consecutivos quando comparado ao mesmo mês do ano anterior. Esse é o maior período de concentração da série histórica brasileira. Nem mesmo em 1989, pico histórico de desigualdade de renda brasileira, foi precedido por movimento de concentração por tantos períodos consecutivos.
Desde o fim de 2014 até o segundo trimestre de 2019, a renda dos 50% mais pobres da população caiu 17% e a dos 1% mais ricos cresceu 10%. Até 2014, o bem-estar social crescia a 6,5% ao ano (porque a renda crescia a e a desigualdade caia). Contudo, em apenas dois anos, passou a cair quase os mesmos 6,5%. Mais do que uma longa recessão seguida de lenta retomada, o país passou do crescimento inclusivo à recessão excludente. A desigualdade ajuda a entender a dramaticidade e a duração do quadro.
O maior perdedor da crise foi o jovem, com idade entre 20 e 24 anos, que teve uma queda de renda do trabalho de 17% (a queda média para toda a população foi de 3%). Outros grupos sociais tradicionalmente excluídos também foram bastante afetados pela crise: a população negra teve uma queda de renda de 8%; analfabetos, 15%; moradores do Norte e Nordeste do Brasil, 13% e 7%, respectivamente. Somente as mulheres tiveram um aumento de renda de 2%. Os últimos anos foram de melhora para quem estudou mais, e como as mulheres são mais escolarizadas, elas conseguiram ganhos.
O aumento do valor da educação foi junto com a do desemprego os grandes propulsores da desigualdade em geral. No período crítico, seis milhões de brasileiros passaram a morar em domicílios com renda nula. O último período da série traz alguma perspectiva de melhora: menor aumento de desigualdade do período de escalada, sinal que pode-se ter atingindo o topo. Já há troca vantajosa de mais ocupação por menores rendimentos dos ocupados, a renda média geral está crescendo a 1,75% ao ano, taxa superior às projeções do PIB per capita que será divulgado em breve.
Para Marcelo Neri, diretor do FGV Social e autor da pesquisa, durante a crise, os brasileiros desaprenderam algumas lições importantes:
“Criamos redes de proteção fundamentais, como o Bolsa Família. Logo no início da crise, o benefício do programa ficou congelado em termos nominais, em meio a uma inflação de 10% ao ano e depois, apesar de barato em termos fiscais, sua cobertura não foi estendida na crise. A extrema pobreza aumentou 40% entre 2015 e 2017”, destacou.
Segundo o economista, programas focados na base não só combatem a pobreza, mas também fazem a roda da economia girar. Neri acrescentou que a desigualdade joga areia nas engrenagens da economia e que, para entender a crise, não basta somente olhar para a média; o aumento da desigualdade também é um componente chave na perpetuação da crise.
“Não estamos voltando ao mesmo nível de pobreza que tínhamos antes de ela cair, felizmente. Mas a projeção é que, se não reduzirmos a desigualdade, principalmente, em relação a base da distribuição, mesmo crescendo 2,5% de forma balanceada ao ano até 2030, nós vamos apenas voltar aonde estávamos em 2014”.
Todos os materiais da pesquisa podem ser acessados no site do FGV Social.