Marcelo Neri foi nomeado, interinamente, como Ministro Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE). Assumirá também interinamente a executiva do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) da qual já foi membro e integrante do conselho-gestor do CDES, eleito pelos demais conselheiros. Neri vai acumular os cargos com o de Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) também vinculado a SAE.
Confira abaixo o discurso de posse:
Boa tarde. Muito obrigado pela presença de todos.
Gostaria de agradecer especialmente à presidenta Dilma Rousseff e ao ministro Moreira Franco, que me confiaram desde setembro a presidência do Ipea. Agradeço, em particular, o novo convite da presidenta Dilma para eu chefiar interinamente a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR).
É uma honra receber essa missão, que entendo como um chamado para prosseguir avançando no excelente trabalho conduzido pelo ministro Moreira Franco à frente da SAE e, ao mesmo tempo, como um sinal de reconhecimento ao Ipea e à produção de seus técnicos e colaboradores.
Como já foi anunciado, eu permaneço à frente do Ipea e, a partir de hoje, assumo também a função de ministro interino da SAE. Portanto o “estou” ministro de Eduardo Portella é mais fugaz no meu caso, mas garanto aos senhores que a experiência será eterna enquanto durar. Vejo uma grande oportunidade para potencializar as sinergias e aprofundar o vínculo entre os programas de trabalho das duas instâncias, que juntas – e de forma complementar – têm contribuído para formular políticas, pensar e transformar o Brasil. O Ipea como usina de ideias sobre politicas públicas e a SAE como plataforma de políticas cujo lema seja algo do tipo “ajo, logo existo”.
Gostaria de fazer uma primeira referência ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), o chamado “conselhão”, do qual tive a honra de participar no presente e no último mandato presidencial como conselheiro e como membro do conselho gestor. Vejo o CDES como uma instância independente, mais para parlatório do que observatório passivo. Como dizia Garrincha, tudo fica mais fácil se combinamos com os russos, os indianos ou os belgas.
Talvez meu primeiro passo no caminho que hoje me traz aqui tenha sido uma palestra que proferi numa plenária ampliada do conselhão, a convite do presidente Lula, sobre a nova classe média. O clímax da palestra foram os dados de felicidade. Em 2006, entre 132 países éramos o 43o país em felicidade passada, o 22o em felicidade presente e o primeiro em felicidade futura. Talvez isto indique algo do nosso progresso pregresso, mas também algo da nossa cultura sobre como enfrentamos o amanhã. É o tamanho do desafio que enfrenta o “ministério do futuro”. Somos um país com 190 milhões de otimistas incuráveis.
Hoje hexacampeões mundiais invictos de felicidade futura, não perdemos o “brasileiro profissão esperança”. Isto foi confirmado em todas as pesquisas internacionais, todas as seis vezes em que foram a campo. Em outubro de 2012, o Ipea tirou a prova com um levantamento próprio que indicaria a conquista do heptacampeonato global. Nossa dificuldade é que a nota dada ao país está 2 pontos abaixo. A diferença entre as partes e o todo é a nossa jabuticabeira. Problemas tupiniquins como alta inflação, desigualdade e informalidade refletem estas falhas de ação coletiva. A boa notícia é que a discrepância entre a visão idiossincrática e a agregada caiu à metade. Estamos indo a campo com nova pesquisa para entender o que aconteceu. De qualquer forma, é alta a responsabilidade do chamado “ministério do futuro” do país do futuro.
O segundo momento marcante da jornada que me trouxe aqui foi o primeiro evento aberto da equipe de transição do governo Dilma sobre combate à pobreza. Lá eu estava ao lado do Ricardo Paes de Barros, quando falamos um pouco e ouvimos muito da presidenta eleita, ainda não empossada. Ela falou de combate à pobreza, que os frutos mais baixos já tinham sido colhidos, que havia necessidade de buscar novas tecnologias e de enfatizar a infância. Eu disse ao Ricardo: pode ser até que ela não faça, mas o que você gostaria de ouvir mais que isso? E ela fez. Fixou em pouco tempo a linha oficial de pobreza, que passamos anos discutindo, e no dia seguinte ao necessário anúncio de ajuste fiscal, deu um reajuste às condicionalidades do Bolsa Família de 45%, criou o Brasil Carinhoso e superou a extrema pobreza entre os beneficiários do Bolsa Família.
Estamos vivendo em um governo em que as mulheres são muito fortes. Mais que isso, as mães são muito fortes, quase um matriarcado, no melhor sentido da palavra. Há muitos anos lancei um estudo chamado Mapa do Fim da Fome, que contava 50 milhões de miseráveis. Uma gestora escreveu um artigo crítico chamado Os homens que calculavam e eu respondi com um intitulado As mulheres que fazem.
Temos exemplos de grandes transformações realizadas recentemente. A começar pela primeira infância, o presente do futuro, objeto de várias propostas da SAE que ajudaram a definir, entre outras ações, a expansão de creches e o desenho adotado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) no programa Brasil Carinhoso. Historicamente, as crianças foram, e ainda são, as mais atingidas pela miséria no Brasil, mas esta desvantagem tem diminuído nos últimos anos com a introdução e expansão da educação básica e de transferências de renda focalizadas nas famílias mais pobres.
Em 2011, os recursos do Bolsa Família reduziram a pobreza extrema de 5,3% para 3,4% na população total e de 9,7% para 5,9% entre crianças e adolescentes de até 15 anos de idade. Desde 2012, com o complemento oferecido a famílias com crianças via Brasil Carinhoso, estas taxas já devem ter convergido para menos de 1% em qualquer faixa etária, segundo simulações do Ipea. Foi uma ideia promovida pela SAE, capaz de permitir um salto de efetividade no programa e a situação inédita para o país de pôr as crianças em pé de igualdade com os adultos na superação da miséria.
Um terceiro e último marcante momento foi um evento no Rio de Janeiro, reunindo as três esferas de governo, com a presença da presidenta, do governador e do prefeito, no qual se levou a ideia de federalismo social às últimas consequências. É um tema que interessa ao secretário Roger Leal. Mais que o formalismo destes encontros, avançou-se numa via de mão dupla nesta agenda: o governo federal ofereceu com generosidade a todos os entes a estrutura do Cadastro Único e do Bolsa Familia. No caminho inverso, as esferas subnacionais lançaram a ideia do benefício complementar a todas as famílias extremamente pobres, já exportada ao Chile, no sucessor do Chile Solidário, junto com a ideia de renda estimada. O governo abraçou a ideia de complementação de renda, e o Bolsa Família passou a garantir a todos os seus beneficiários uma renda per capita – e não apenas total – de pelo menos R$ 70. Já são 22 milhões de pessoas do Cadastro Único que cruzaram a linha de R$ 70 desde o lançamento do Plano Brasil Sem Miséria. Do ponto de vista da renda, não haverá mais pobreza extrema no universo do programa. Os que mais têm avançado são pretos, analfabetos, nordestinos, do campo, das construções. O Brasil que tem avançado mais é o país do passado.
Se, como diz a presidenta, o fim da miséria é apenas o começo, falta chegar ao presente: a nova classe média, fenômeno que tenho estudado há alguns anos desde a Fundação Getulio Vargas. Tenho muito orgulho dos números de 40 milhões muitas vezes citados terem se originado nos nossos computadores. É uma realidade debatida e já reconhecida por muitos como um enigma a ser decifrado com urgência, porque requer abordagens específicas nos campos econômico, político e social. Também nesta área a SAE desenvolveu, posteriormente, uma agenda vigorosa. Nosso “país do meio”, situado entre as fronteiras da Bélgica e da Índia, é aquele que vemos crescer ao incorporar pessoas recém-saídas da pobreza, que estão estudando mais, encontrando mais empregos, em postos de trabalho com carteira assinada, cobertura da previdência para o microempreendedor individual, gerando com seu trabalho rendas que crescem ao ritmo asiático, repartidas em lares com menos filhos, que agora podem receber mais atenção e cuidados. Nos últimos anos, demos os pobres aos mercados, o que ajudou a manter as rodas da economia girando. Falta, ao meu ver, dar mais mercado e mais Estado aos pobres.
A SAE seguirá apontando o caminho da ascensão social e econômica do país. Este caminho certamente passa por acesso a serviços, inclusive financeiros, especialmente crédito aos microempreendedores e incentivos simultâneos à poupança que irá financiar os investimentos necessários, dos pequenos aos grandes, dos privados aos públicos. São desafios incontornáveis para uma população que sonha alto como nós. Quanto ao crédito produtivo popular, outra demonstração de coragem e ousadia foi dada em 2011 no programa Crescer. Vi a tecnologia do Banco do Nordeste do Brasil, o Crediamigo, ser passada e instada para outros bancos federais.
O Ipea celebra ano que vem 50 anos. Faremos um jubileu para recordar as contribuições do instituto ao país nas politicas públicas e lançaremos um olhar para o futuro. Numa leitura livre de alguns discursos que tive oportunidade de ouvir da presidenta, a visão começa com o Brasil Sem Miséria – lema do governo e do Brasil, não apenas do MDS –, passa por um país de classe média e se conclui com políticas de inovação.
Um tema recorrente no debate público é o baixo crescimento da produtividade brasileira, fundamental para o desenvolvimento do país. Entre 2003 e 2012, o Brasil cresceu com redução de desigualdades. Nossa maior dificuldade tem sido no segmento moderno da economia. Como propulsores deste “Brasil do futuro”, a inovação e o progresso técnico precisam estar no centro de nossa estratégia de desenvolvimento sustentado.
É impossível falar de tecnologia sem falar em educação. Temos avançado em escolaridade, frequência, proficiência nos testes internacionais, mas ainda estamos muito longe de onde precisamos chegar. Alguns de nossos vizinhos estão anos à nossa frente nesta matéria. Neste ponto também, algumas agendas da SAE são essenciais: acelerar a inclusão das crianças e dos jovens, assim como atrair e repatriar pessoas para agregar conhecimento e experiência. Precisamos desta tecnologia viva em forma de cérebros das pessoas de origens diversas, investindo em um país nascido e crescido na mistura de povos, culturas e talentos.
A SAE tem muito a contribuir para a agenda de desenvolvimento sustentável, em que o Brasil cada vez mais dialoga com o mundo. No conceito de sustentabilidade, gosto de contrastar o voo dos irmãos Wright com o de Santos Dumont. Nesse aspecto, desejo sorte ao ministro Moreira Franco nos novos voos. É grande a responsabilidade de cuidar do setor de aviação na terra do Santos Dumont e da Embraer, só que agora encarando a nova classe média do outro lado do balcão.
Por mérito de sua visão estratégica, temos aqui o Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC), da Organização das Nações Unidas (ONU) – nosso parceiro global de longa data, que não por acaso foi criado dentro do Ipea e hoje está abrigado junto à SAE. No último mês, o Ipea abriu novos canais importantes neste diálogo internacional. Ingressamos na iniciativa do Centro Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, o Centro Rio+, recém-lançado também pelas Nações Unidas. Conquistamos o papel de think tank oficial do país no grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), cujo encontro o Brasil vai sediar em 2014. Finalmente, junto com o Banco Mundial, o MDS e o IPC, lançamos a Iniciativa de Conhecimento e Inovação para a Redução da Pobreza, uma plataforma instalada no Brasil para compartilhar com o mundo as melhores experiências e tecnologias em política social.
A SAE busca ainda compreender nossas faixas de fronteira, assim como as contribuições que nossa estratégia de Defesa pode oferecer à manutenção da paz. Temos aqui a liderança do general Santos Cruz, que chefiou a missão de paz no Haiti. O Ipea, mais uma vez de forma complementar, está justamente agora debruçado, com todas as suas diretorias, sobre dados e análises territoriais que vão compor a edição deste ano da série Brasil em Desenvolvimento.
O país conta com uma perspectiva de futuro melhor porque, como disse a nossa presidenta, Dilma Rousseff, não abandonamos o nosso passado presente, o nosso passivo social, os nossos pobres. A SAE continuará trabalhando para que possamos encontrar um futuro à altura das expectativas de cada brasileiro. Não nos faltam assuntos estratégicos, mas as prioridades estão bem definidas. Nesta segunda-feira, nossa obra coletiva segue em frente. Conto com o empenho de todos.
O Brasil poderá contar com a SAE.
Muito obrigado.
Neri é PhD em economia pela Universidade de Princeton. Professor no doutorado, mestrado e graduação da EPGE da Fundação Getulio Vargas e Fundador do Centro de Políticas Sociais (CPS/FGV) onde atuou por 12 anos. Foi pesquisador da diretoria de pesquisas do Ipea, onde trabalhou por cinco anos, inicialmente como pesquisador associado e depois como parte do quadro (1º lugar do concurso com 340 candidatos). Foi escolhido como um dos 100 brasileiros mais influentes em 2012 e em 2010 pela Revista Época. A Veja em 2011 o intitulou de Dr Demografia função da descoberta de novas tendências da sociedade como na pobreza e desigualdade, a ascensão da nova classe média brasileira entre outras. Avaliou políticas públicas em mais de duas dezenas de países. Desenhou e implementou os programas de transferência de renda condicionada Família Carioca e Renda Melhor aplicados a cidade e ao estado do Rio de Janeiro, respectivamente. Autor dos livros Microcrédito: o Mistério do Nordeste e o Grameen Brasileiro; Cobertura Previdenciária: Diagnóstico e Propostas; Ensaios Sociais; Diversidade; Inflação e Consumo; Superação de Pobreza e a Nova Classe Média no Campo; e A Nova Classe Média (finalista do Prêmio Jabuti) e Superação da Pobreza e a Nova Classe Média no Campo.