Desenvolvimento Inclusivo Sustentável? - Neri, Marcelo Cortes

Julho/2012

Sobre o paper: 

SUMÁRIO EXECUTIVO

O PIB per capita cresce zero contra 2,9% da renda média do trabalho das famílias e 5,4% da mediana, turbinada pela queda sustentada da desigualdade.
O crescimento brasileiro em 2012 decepcionou, mesmo na comparação com as previsões mais pessimistas.  Após sucessivas tentativas de reaquecimento a partir da aplicação de um arsenal de medidas monetárias e fiscais expansionistas, projeta-se um crescimento do PIB em torno de 1% em 2012, e nulo em termos per capita. A frustração do chamado “PIBinho” contrasta com os resultados positivos das pesquisas de opinião recém colhidos. Se quisermos entender esse paradoxo, devemos nos debruçar sobre outras dimensões da experiência humana.
Um bom roteiro é encontrado no livro de 2010 de dois Prêmios Nobel em Economia, Joseph Stiglitz e Amartya Sen, intitulado “(Mis)Measuring Our Lives”. O livro reflete as conclusões de uma comissão de notáveis sobre como medir o progresso das sociedades. Buscamos aqui medir o avanço tupiniquim em 2012, utilizando as quatro principais recomendações da comissão. A nossa pergunta básica é: o período de progresso brasileiro observado desde o fim da recessão de 2003 terminou em 2012? Em que dimensões?

Mediana - Uma maneira simples e direta de sintetizar os efeitos de mudanças no crescimento e na desigualdade de renda, as duas primeiras dimensões consideradas na comissão, é usar a mediana da renda. Se no período de 2003 a 2011 o PIB e a renda média da Pnad cresceram a taxas de 3,1% e 4,36% ao ano, a renda mediana da Pnad cresceu a 5,94% ao ano. Ou seja, o João da Silva que habita o meio da distribuição de renda brasileira cresceu nesse período a taxas indianas contra as taxas belgas do PIB.
A discrepância de taxas de crescimento entre o PIB e a renda das famílias, é ainda maior em 2012 tal como captada pela PME. No terceiro trimestre de 2012, enquanto o PIB cresceu 0,9% e o PIB per capita cresceu algo próximo de zero, a renda per capita do trabalho média das famílias cresceu 2,93% na mesma comparação com igual período do ano anterior. Já a mediana cresceu 5,4%.
Uma das vantagens da PME é a velocidade, superior a das contas nacionais. Hoje sabemos precisar as taxas de crescimento de média e mediana de 6,8% e 8,75%, respectivamente, na comparação de outubro de 2012 com o mesmo período do ano anterior.  A retomada pós terceiro trimestre foi confirmada pelos dados da PME de novembro lançados pelo IBGE na sexta última.
Apesar de suas limitações, todas as principais inflexões da distribuição de renda no contexto brasileiro nos últimos 30 anos foram inicialmente antecipadas pela PME. Segundo a Pnad, a renda do trabalho corresponde a 81% nas seis principais áreas metropolitanas cobertas pela PME. Além disso, a renda de previdência foi impulsionada pelo aumento nominal de 14% no salário mínimo em janeiro de 2012 e pela expansão do Bolsa Família sob a égide do lançamento do Brasil Carinhoso em maio de 2012. De outubro de 2011 a outubro de 2012, já descontada a inflação pelo INPC e o crescimento populacional, o valor real per capita dos benefícios previdenciários pagos pelo INSS cresceu 6,14% e o do Bolsa Família, 12,2%. Em outras palavras, as estimativas de crescimento restritas à renda do trabalho são conservadoras.

Sustentabilidade - Outra possibilidade aberta pela estrutura longitudinal da PME ao acompanhar as mesmas famílias ao longo do tempo, é medir o risco associado aos novos padrões de vida conquistados. Auferimos a proporção de pessoas cruzando a mediana da renda de baixo para cima e de cima para baixo no período de 12 meses.
O risco de regressão cai à metade desde os 24,21% observados na recessão de 2002-2003 chegando a 12,09% entre 2011 e 2012.  Já a probabilidade de ascensão sai de 18,39% entre 2002 e 2003 até chegar em 30,11% entre 2011 e 2012. Mais do que um ano de baixo risco de queda das rendas individuais, 2012 se caracteriza pela maior possibilidade de pessoas subirem na vida.

Felicidade - A quarta e última dimensão preconizada por Stiglitz-Sen é subjetiva, não tendo eco nas estatísticas nacionais. O Ipea foi a campo em outubro de 2012 numa amostra com 3.800 entrevistas representativas do país. O questionário aplica perguntas padronizadas de pesquisas internacionais. Exploramos aqui medições dos níveis de felicidade reportados diretamente pelas pessoas, uma nota de 0 a 10 sobre a respectiva satisfação com a vida corrente.
A pesquisa do Ipea mostra que a nota média de felicidade brasileira hoje é 7,1, o que nos colocaria em 16º lugar entre 147 países do globo segundo dados do Gallup World Poll de 2011 demonstrando avanço frente o 22º lugar entre 132 países em 2006.

Em suma, podemos dizer, à luz das recomendações da comissão, que, apesar do retrocesso no avanço do PIB em 2012, os atributos desejáveis do desenvolvimento se mantiveram vis a vis aos do período de ouro pós-recessão de 2003. A começar pela magnitude da expansão da renda per capita captada a partir de pesquisas domiciliares e sua qualidade inclusiva e sustentável, turbinada pela queda sustentada da desigualdade e pela menor instabilidade da renda de cada um. Finalmente, indicadores subjetivos de felicidade mostram avanços na satisfação com a vida dos brasileiros entrevistados em suas casas.

Detalhando a Desigualdade
Medidas de renda, consumo e riqueza devem estar acompanhadas por indicadores que reflitam sua distribuição. Em um país apelidado de Belíndia, esse tipo de consideração é de importância capital, pois a média esconde mais do que revela. No período de 2003 a 2011, o índice de Gini da Pnad cai a uma média de 1,2% ao ano. De acordo com a PME, no trimestre terminado em setembro de 2012, a desigualdade caiu 1,69% quando comparada ao mesmo trimestre do ano anterior. Ou seja, uma velocidade de queda 40,5%, ou 0,49 pontos de porcentagem por ano maior. Em cerca de 2/3 dos países do mundo – sejam países desenvolvidos como os Estados Unidos e a Inglaterra, ou emergentes como a China e a Índia – ocorre o oposto, um aumento da desigualdade.
Exercícios empíricos comparando pessoas iguais em anos diferentes para isolar influências sociodemográficas observadas, mostram que a série de renda controlada desde 2002 teve o seu maior salto entre 2011 e 2012.
Passando à análise por atributos pessoais (e não familiares), a renda individual média pela PME sobe 4,89% de 2011 para 2012 contra a taxa média de 4,35% entre 2003 e 2012. O ano de 2012 se apresentou mais próspero que o período de prosperidade pregresso. Essa diferença em 2012 é particularmente favorável a grupos da sociedade tradicionalmente excluídos, como mulheres, negros e analfabetos, que crescem a taxas de 6,53%, 8% e 9,6%, respectivamente.
Pesquisa de Campo - O Ipea aplicou em outubro perguntas padronizadas de questionários internacionais em 3.800 domicílios e confirmou o alto grau de felicidade prevalecente no país. Em uma escala de 0 a 10, os brasileiros dão, em média, nota 7,1 para suas vidas. Esse nível colocaria o país em 16º lugar entre 147 países pesquisados no Gallup World Poll, que apontava uma felicidade média de 6,8 no Brasil em 2010.
Mais dinheiro no bolso talvez traga alguma felicidade. A nota média de satisfação com a vida de quem recebe mais de 10 salários mínimos é 8,4, contra 6,5 de quem vive apenas com o mínimo e 3,7 dos sem renda. Por outro lado, nem tudo é dinheiro. Embora pobre, a região mais feliz do país é o Nordeste, com nota média de 7,38. Se fosse um país, o Nordeste estaria em 9º lugar no ranking global, entre a Finlândia e a Bélgica. As médias das demais regiões são 7,37 no Centro-Oeste, 7,2 no Sul, 7,13 no Norte e 6,68 no Sudeste.
Na comparação internacional, usamos os microdados de acesso a telefonia fixa como medida das condições de vida individuais (e não agregadas). Observamos que nenhum país do mundo apresenta diferenças de correlação entre felicidade presente e acesso a telefonia menor que o Brasil, há países com relações estatisticamente equivalentes, mas não menores. Isso pode sinalizar um baixo impacto de ativos de tecnologias da informação e comunicação (TICs), ou de sinais de riqueza em geral na felicidade do brasileiro.

REFERÊNCIAS
Este paper foi publicado em:

Site
NERI, Marcelo C. Desenvolvimento Inclusivo Sustentável?. 2012. FGV Repositório Digital. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/24000

NERI, Marcelo C. Desenvolvimento Inclusivo Sustentável?. 2012. FGV Social. Disponível em: <https://cps.fgv.br/desenvolvimento-inclusivo-sustentavel