Segurança Alimentar: Mudanças Recentes e Visão Global

 

 

Segurança Alimentar:
Mudanças Recentes e Visão Global  

 

 

O Brasil, hoje conhecido como a “Fazenda do Mundo” como produtor de alimentos, é também a terra de Josué de Castro, autor de Geografia da Fome de 1943, e de Betinho, criador da ONG Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria, mais ativa do que nunca em plena pandemia. O brasileiro confere alta importância ao tema perdendo apenas para saúde e educação entre 16 temas ligados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. A fome gera mais preocupações aqui do que em outros países. Há motivos para isso. Programas de alimentação brasileiros estão associados a prevalência de doenças crônicas, baixo desempenho escolar, baixa produtividade trabalhista, entre outros efeitos deletérios testados.

 

As evidências sobre a evolução do binômio segurança/insegurança alimentar apresentadas na POF/IBGE 2017-18 desafiam aqueles que acreditam que fome é coisa do passado no Brasil.  A insegurança alimentar que tinha caído de 34,9% dos domicílios em 2004 para 22,6% em 2013, volta a subir chegando a 36,7% em 2018. 

 

A fim de entender as causas diretas das mudanças de segurança alimentar vale recorrer a partir de outras pesquisas nossas sobre extrema pobreza em termos objetivos.  Usamos uma linha de U$S 1,25 dia PPC (ajustado por Paridade do Poder de Compra) dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM) que grosso modo corresponde o critério de acesso ao benefício monetário básico do Bolsa Família, cerca de 90 reais per capita mês.  A queda da insegurança alimentar de 2004 até 2013 foi acompanhada de redução de extrema pobreza de 44,7%.  No período 2014 a 2019 observamos aumento de extrema pobreza baseada em renda de 67%, com pioras em todos os anos, inclusive no último. Se a insegurança alimentar primeiro caiu e depois cresceu, é porque a extrema pobreza apresentou movimentos na mesma direção. Nos últimos anos os paupérrimos estiveram em baixa. Enquanto o período inicial foi marcado pela expansão de programas de focalizados de transferência condicionada de renda, no último período fizemos um ajuste fiscal nos pobres, desidratando o Bolsa Família. Medidas subjetivas de fome caminharam de mãos dadas com a extrema pobreza cujos movimentos foram ditados pelas políticas sociais. Em fase de parcos recursos fiscais, é preciso colocar na ordem do dia os programas sociais voltados aos mais pobres dos pobres.

 

Antes que ataquem o mensageiro, observamos o mesmo drama em evidências internacionais sobre o Brasil, já incluindo 2019. Esta ampliação de prazo e de escopo geográfico do tema, e seu detalhamento é a principal contribuição desta nota. Para comparar o Brasil com os outros países do mundo, recorre-se aos microdados do Gallup World Poll ao longo de sete biênios, desde 2005/2006 até 2017/2018 e depois 2019 para complementar a série. Transformando uma longa estória, a insegurança alimentar cai de 20% até 18% no biênio 2011-12 e depois sobe para 30% em 2017-18, o que é consistente em termos de período e prazos com a última POF-IBGE. Este mesmo patamar de 30% é mantido em 2019. Ou seja, os dados sugerem que os movimentos identificados nas pesquisas ibgeanas são robustos e que o aumento observado até 2017-18, se manteve em 2019.  

 

Caracterizando a piora das percepções de falta de dinheiro para alimentação, se tínhamos 17% da população concordando, o que colocava o país na posição nº 36 de 150 países em 2014, passamos a 30% no Brasil em 2019 - correspondendo a posição nº 82 de 145 países. A fim de captar a desigualdade tupiniquim da falta de dinheiro para alimentação em 2019, estavam nessa situação no Brasil 53% nos 20% mais pobres e 10% nos 20% mais ricos. Já no mundo os números eram 48% nos 20% mais pobres e 21% nos 20% mais ricos. Ou seja, nossos mais pobres têm hoje mais insegurança alimentar que o mundo, enquanto nossos mais ricos têm menos. 

 


Confira os mapas e gráficos interativos:
(%) Falta dinheiro para alimentação (População Total)

 

MAPA -  https://cps.fgv.br/falta-dinheiro-para-alimentacao-populacao-total-2005-ate-2018
GRÁFICO INTERATIVO - https://www.cps.fgv.br/cps/bd/graficos/Alimentacao/Porcentagem-sem-dinheiro-para-alimentacao-pop-total-2008-2018.htm

 

 

 

INSEGURANÇA ALIMENTAR: DETALHAMENTO GLOBAL 

 

O mapa 1 contrasta as situações brasileira e mundial no primeiro biênio de análise, destacando com suas bandeiras e nomes os países com programas de alimentação semelhantes ao do Brasil. Em 2005/2006, 20% dos brasileiros pesquisados afirmavam ter faltado dinheiro para comprar alimentos para si mesmos ou para suas famílias. A escala de cores mostra que esse percentual é relativamente baixo em comparação aos que respondem “sim” à mesma pergunta na maioria dos demais países. Mesmo outros grandes países em desenvolvimento com políticas similares como México e Índia, apresentam percentuais mais altos de pessoas que sentem falta de dinheiro para a alimentação. A situação se mantém até 2013/2014, quando o Brasil registra a mesma taxa de 20% (mapa 2) e a pesquisa passa a cobrir mais países africanos e a China. 

 

Mapa 1 - (%) Falta dinheiro para alimentação - População Total (2005/2006)
"Em algum momento, nos últimos 12 meses, faltou dinheiro para comprar alimentos para você ou para a sua família ?" 


https://cps.fgv.br/falta-dinheiro-para-alimentacao-populacao-total-2005-ate-2018
Fonte: FGV Social/CPS a partir dos microdados do Gallup World Poll 

 

 Mapa 2 - (%) Falta dinheiro para alimentação - População Total (2013/2014)
"Em algum momento, nos últimos 12 meses, faltou dinheiro para comprar alimentos para você ou para a sua família ?" 

 
https://cps.fgv.br/falta-dinheiro-para-alimentacao-populacao-total-2005-ate-2018
Fonte: FGV Social/CPS a partir dos microdados do Gallup World Poll

 

A dificuldade dos brasileiros para comprar alimentos nos 12 meses que antecedem a pesquisa aumenta fortemente nos anos de crise econômica, chegando a 30% no biênio 2017/2018. O mapa 3 mostra que o Brasil muda de categoria na escala de cores junto com a Rússia, deixando a faixa onde permanecem os Estados Unidos e a Espanha e ingressando na faixa em que se mantém o Uruguai. 

 

Mapa 3 - (%) Falta dinheiro para alimentação - População Total (2017/2018)
"Em algum momento, nos últimos 12 meses, faltou dinheiro para comprar alimentos para você ou para a sua família ?"
 
https://cps.fgv.br/falta-dinheiro-para-alimentacao-populacao-total-2005-ate-2018
Fonte: FGV Social/CPS a partir dos microdados do Gallup World Poll 

 

De modo geral, os países mais ricos, com maior produto interno bruto (PIB) per capita, tendem a ter menores percentuais de suas populações sentindo falta de dinheiro para a alimentação. O gráfico 1 confirma essa tendência intuitiva, que se mantém em 2013/2014 e 2017/2018. O mais interessante, porém, é observar que, entre os dez países da base de dados que possuem políticas similares (os pontos contornados de preto no gráfico), oito apresentam insegurança alimentar menor que a esperada em função de seus respectivos níveis de desenvolvimento econômico. Turquia e México são as duas exceções. Já o Brasil pertence ao grupo majoritário de países com programas similares, em que o percentual de pessoas que sente falta de dinheiro para a compra de alimentos é menor que o esperado quando se observa seu PIB per capita. Entretanto, infelizmente, a alta de 20% para 30% dos brasileiros com falta de dinheiro para comprar comida nos últimos anos fez o Brasil se aproximar da norma internacional de relação entre produto per capita e insegurança alimentar. 

Na escala de cores do mapa 4, os países pintados em tons de verde são aqueles cujo percentual de pessoas com insegurança alimentar é menor (ou melhor) que o esperado em função de suas características. Já os que registram insegurança alimentar maior (ou pior) que a esperada aparecem em tons de laranja a vermelho. Assim como México e Turquia, quase todos os países da América Latina, África e Oriente Médio – as regiões com os maiores índices de desigualdade de renda no mundo – têm mais pessoas com falta de dinheiro para comprar comida do que se esperaria com base no valor médio de produção por pessoa. 

 

Gráfico 1  Insegurança alimentar: qual o papel de similares do PAT ao redor do mundo? 
LN PIB per capita US$ PPP X Falta de dinheiro para alimentação (%) 

 

 
Fonte: FGV Social a partir dos microdados do Gallup World Poll 

 

Mapa 4 - Regressão logística - Falta dinheiro para alimentação (Razão de chances)
"Em algum momento, nos últimos 12 meses, faltou dinheiro para comprar alimentos para você ou para a sua família ?" 


*Não significativos:  Índia, Macedônia, Paraguai, Polônia, Catar, Arábia Saudita, Sérvia e Montenegro
https://cps.fgv.br/regressao-logistica-falta-dinheiro-para-alimentacao-razao-de-chances-quantil

Fonte: FGV Social/CPS a partir dos Microdados do Gallup World Poll 

 

O Brasil, embora se destaque como um dos países de maior desigualdade de renda mesmo dentro do conjunto dessas regiões muito desiguais, aparece no mapa com uma insegurança alimentar menor que a sugerida por seu produto per capita. Nesse ponto, o Brasil tem a companhia de sete outros países com (Reino Unido, França, Portugal, Itália, Bélgica, Índia e Japão), além de outros concentrados na América do Norte, Europa, Oceania e países da Ásia com forte crescimento econômico, como Índia e China. 

 

Veja o material em  https://www.cps.fgv.br/cps/bd/docs/Seguranca-Alimentar_Brasil-e-o-Mundo-Marcelo-Neri_FGV_Social.pdf

 

 

 

 

 

 

 

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