Inflação e Consumo - Marcelo Neri
Março, 1990
Sobre o livro:
Este livro visa abordar, através da construção e simulação de modelos teóricos, algumas causas da explosão de consumo desencadeada pelo Plano Cruzado. Procuramos inicialmente captar o comportamento consumidor e financeiro das unidades familiares numa atmosfera cronicamente inflacionária e indexada. Exploraremos em profundidade algumas características institucionais pertinentes à experiência brasileira recente, em especial no que tange à configuração da órbita financeira dos consumidores. Posteriormente, à luz desses modelos, faremos a análise de conjuntura do ano do Cruzado. A principal conclusão resultante deste trabalho é que, embora significativa parcela do aumento aumento de demanda verificado possa ser creditada à adoção de políticas monetárias, fiscais, creditícias, e salariais deliberadamente expansionistas, grande parte desse aquecimento da economia se deveu à operação de alguns mecanismos endógenos acionados pelo próprio processo desinflação.
O plano geral do livro é o seguinte: o primeiro capítulo discute as principais influências da inflação sobre o consumo encontradas na literatura, procurando assim fixar um referencial teórico mais abrangente aos modelos a serem desenvolvidos nos capítulos posteriores. O ponto central será a análise do mecanismo de poupança forçada, em especial seus fundamentos microeconômicos via-à-vis algumas especificidades do contexto brasileiro pré-Cruzado. Ao final do capítulo, analisaremos os principais efeitos das incertezas associadas ao processo inflacionário sobre a decisão de consumo individual.
O segundo capítulo aborda a adoção de comportamentos defensivos contra o impacto da inflação sobre o formato do fluxo de caixa de agentes cujos salários são indexados sob o sistema de reposição periódica de pico. O resultado mais forte deduzido de nosso modelo será a existência de um estoque médio de poupança intra-reajustes positivamente relacionado com a taxa de inflação e inversamente relacionado com a periodicidade existente entre as recomposições de pico de renda real. O nosso ponto de chegada será estudar, através do replanejamento desse estoque médio de poupança associado a mudanças de patamar inflacionário e principalmente das cláusulas de indexação salarial, uma nova dimensão das influências do binômio inflação-indexação sobre decisões das unidades familiares em consumir e em demandar ativos financeiros.
O propósito do terceiro capítulo é prover uma racionalização micro para a incidência e a fuga do imposto inflacionário por parte das unidades familiares. Desenvolveremos um modelo de demanda por ativos transacionais dentre da linha determinística inaugurada por Baumol (1952) e Tobin (1956), com características institucionais pertinentes à experiência brasileira recente. Visamos basicamente entender, através desse modelo, as alterações do comportamento financeiro de consumidores de níveis de renda diferenciados e do poder de compra final de suas respectivas rendas num contexto de transição inflacionária. Ao final do capítulo, investigaremos detalhadamente a existência de uma alta regressividade na incidência das perdas associadas ao imposto inflacionário, o que, aliado à progressividade da propensão marginal a poupar, se complementará na análise dos adversos (benéficos) efeitos de aumento (queda) da taxa de inflação sobre o nível de consumo agregado.
O papel do último capítulo será basicamente avaliar os impactos dos argumentos que tratam das influências da inflação sobre o consumo desenvolvidos nos capítulos anteriores, no específico contexto da desinflação do Plano Cruzado. Procuramos, assim, oferecer ao leitor uma interpretação consistente para a análise da surpreendente bolha de consumo surgida após o lançamento do programa de estabilização. Inicialmente, faremos uma síntese não só do papel desempenhado por cada um dos principais itens contidos no programa de 28 de fevereiro de 1986 no processo de exacerbação do consumo, bem como dos elementos do debate surgidos em torno do tema. Em seguida, realizaremos simulações a partir dos modelos desenvolvidos nos Capítulos 2 e 3, respectivamente, em cenários consistentes com a transição inflacionária do Cruzado. E, por último, mas não menos importante, apresentaremos as nossas principais conclusões teóricas e práticas advindas do explosivo comportamento consumista observado no Ano Cruzado.